"Quando o meu amigo Evandro, me pediu que fizesse este texto de apresentação do Sr. Albino Aguiar e Sousa neste primeiro jantar de comemoração dos 40 anos da gloriosa vitória no Jamor, fiquei receoso e envergonhado.
Receoso por não ter conhecimento directo dos feitos de tão ilustre figura da história do Sp. Braga, que fez furor por esse país fora no tempo em que eu ainda mal me apercebia da vertente artística do fenómeno da bola. E envergonhado por ter de reconhecer que, mesmo agora, depois de levar meia vida a viver daquilo que escrevo sobre o futebol, pouco saber sobre o determinante contributo que o “Bino das Trivelas” deu para a melhor equipa da história do S.C. Braga, só comparável à actual.
E a verdade é que, até ambição do presidente Salvador nos trazer o milagre do título, a Taça de 1966 continuará a ser o símbolo nº 1 da mística bracarense. Se o seu colega Perrichon pousou por cá um par de anos e marcou o golo mágico que se perpetuou na história, Bino personifica a arte e a raça bracarense que durante toda a década de sessenta fez magia pelo lado esquerdo, nas fintas em velocidade e nos cruzamentos enviezados com a parte de fora do pé, quando não eram mesmo feitos com a parte de dentro. Os famosos passes de rosca, que trocavam os olhos aos defesas e levavam efeitos que atrapalhavam o corte e, não raras vezes, resultavam em autogolos. Ao que me contam, porque eu não vi, era uma espécie de Drulovic, com clones do Quaresma e do Simão. Mas ao contrário de Perrichon, nunca foi dado a excentricidades e preferiu sempre driblar as parangonas, pelo aborrecimento que é para o Bino expôr-se fora da intimidade.
É um bracarense de gema, que percorreu todos os escalões da formação no saudoso 28 de Maio. Tinha eu pouco mais de um mês de vida, quando o jovem Bino ajudou a tirar o Braga do buraco, na gloriosa subida de 64 à I Divisão, com a imparável ultrapassagem do Covilhã da última jornada, que encheu o 28 de Maio e rendeu um prémio de 200 euros (em dinheiro actual) para distribuir por toda a equipa. E foi Bino quem apontou o golo decisivo na conquista do título de Campeão Nacional da II divisão, tendo sido, já nessa altura, considerado o melhor jogador em campo.
Mas foi dois anos depois, no auge da carreira, que teve um papel determinante em toda a campanha de Taça, desde a eliminação do Benfica e do já campeão Sporting até à vitória na final sobre o detentor do troféu, o V. Setúbal.
Mas Bino é também um homem simples como nós e com apurado sentido de justiça. No primeiro dos três jogos da meia final, foi dele o golo que deu o empate a 1-1, a passe de Perrichon. Na segunda mão, em Alvalade, foi Bino que assistiu Perrichon na nova igualdade a um golo. “É justo. Em Braga deu-me ele o golo mim... Agora ficamos pagos”, como lembrava Bino à Bola na hora de festejar o empate que obrigou a desempate em campo neutro, marcado para o Restelo. Os lagartos só precisaram de atravessar a cidade para verem os amigos do Bino, mesmo roubadinhos, ganhar por 1-0. Resultado conseguido já depois de outro golo que, segundo rezam as crónicas, foi tirado de dentro da baliza com a mão mas o lance acabou por dar lugar a um penalti que o Perrichon desperdiçou, por deixar espirrar o pontapé.
Foi por essa altura que Bino ganhou direito à sua primeira entrevista nos jornais. E logo n “A Bola”, que era uma espécie de Record daquela altura. Agradecido pela oportunidade de aparecer e se promover no jornal, Bino fez questão de, em pleno Jamor e na euforia da conquista da Taça, ir entregar ao repórter da Bola destacado para o serviço, a camisola que todo o povo lhe pedia. Álvaro Braga, o pai do júnior, registou o gesto numa referência a um rapaz com “cara de menino, franzino mas valente, modesto, mas feliz”. Foi com esse “corpo miúdo de homem feito, coração generoso e agradecido”, que foi dar a camisola a quem antes o colocou em destaque. Como explicou na altura, “se tinha de oferecer a camisola a alguém era ao jornal que me ouviu pela primeira vez. A Bola contribuiu e eu retribuí”.
Numa edição que deveria servir de exemplo à imprensa provinciana de Lisboa e do Porto, a manchete desse dia da Bola, a rasgar toda a 1ª pag., falava numa “final provinciana no Jamor” em que houve “Vira do Minho com toque de tango argentino”. E destacava o espírito de proeza que permitiu vencer a armada invencível de Setúbal. Nessa proeza participou Bino em grande nível, depois de ter falhado o jogo traumático do campeonato, em Setúbal, que os nossos heróis perderam por 8-1. Se dúvidas houvesse sobre o papel e a influência de Bino, a diferença viu-se no Jamor: com Bino de novo a titular limpámos os gajos sem espinhas ali mesmo à beirinha da terra deles.
Quatro meses depois, o nosso homem volta a emprestar a sua arte a uma nova epopeia da história do Sp. Braga, na estreia da equipa em competições europeias na já defunta Taça dos vencedores da Taça. Eu ainda era miúdo mas desta lembro-me bem: fomos a Atenas ganhar ao AEK (foi outra vez limpinho: perderam lá e cá e foram à vida deles) e no jogo da volta, na Ponte de S. João, estiveram 40 mil bracarenses. Só a receita de bilheteira deu mais de mil contos (fora os cachets das televisões, os contratos publicitários, o maketing e o merchandizing) e cada jogador levou para casa dois contos de rei. Assim é que é falar... No caso de Bino, e segundo o cronista Cruz dos Santos da Bola, foi a compensação para o “atrevimento e a combatividade” que denotou tanto a rasgar no flanco esquerdo como a participar na muralha defensiva, o que o levou a ser cotado como o melhor em campo.
E esta eu não vi nem li descrito em lado nenhum, mas aposto que, como com bracarense que é, o Bino também deu uns casquetes na confusão que se gerou na vinda dos gregos a Braga. Depois de sofrer uma entrada de Perrichon, Vassilion pontapeou Luciano no baixo ventre e, ainda segundo a Bola, “houve três minutos de porrada, empurrões e sopapos, ameaças e piropos” que só a intervenção da polícia conseguiu serenar. Hoje sei que o sr. Albino Sousa nem é homem de se meter em confusões, mas também não duvido que lhe deve ter sabido bem molhar a sopa no mau perder dos gregos. Desta vez houve dois arraiais: um de bola e outro de porrada, porque os limites da hospitalidade, para um homem minhoto de gema, acabam no baixo ventre.
Ainda nesse ano, Bino fez o jogo mais glorioso da carreira precisamente na visita do Glorioso a Braga, entre as duas mãos da eliminatória seguinte da taça das taças, com o Gyor. Pois dizia eu que os então campeões da Europa vieram a Braga ser humilhados, com ecos que soaram por todo o mundo. O Benfica e o Eusébio tinham sido aviados com quatro secos e, mesmo sem ter marcado, Bino foi considerado pelos especialistas do Record o homem do jogo. Não admira que, depois de ter dado tudo o que tinha para dar ao Sp. Braga, fosse recrutado em fim de carreira para passear a sua classe na milionária Liga do Canadá.
É por tudo isto e por muito mais que os Bravos da Boa Luz decidiram, muito justamente, juntar esta noite admiradores e amigos do Bino para a merecida festa de homenagem no ano em que se comemoram quatro décadas de um feito que fica para a eternidade. Porque foram estes rapazes que, no tempo em que os presos na cadeia de Braga construiam o Estádio 28 de Maio, já trocavam os olhos com as roscas do Bino, nas futeboladas que faziam no largo da Boa Luz. A prova de que ainda não esqueceram os nós cegos que o Bino lhes pregava é esta confraternização.
Parabéns ao Sr. Albino Sousa!
Vivam os Bravos da Boa Luz!!"